Introdução
A pegada de carbono do setor dos transportes constitui um grande obstáculo à obtenção de uma economia sustentável na Europa. “Cerca de um quinto das emissões totais de gases com efeito de estufa na União Europeia provém dos transportes e, dessas, cerca de 90% têm origem nos transportes rodoviários. Mas as viagens de carro podem ser minimizadas se existirem alternativas, particularmente nas cidades e vilas (…) Com emissões quase nulas, as bicicletas são os veículos ideais. Muitas cidades já o compreenderam e por toda a Europa, estão a envidar esforços para se tornarem mais acessíveis aos velocípedes”, lê-se no site da campanha sobre as alterações climáticas da Comissão Europeia [1].
Nos últimos vinte anos a taxa de motorização em Portugal disparou a um ritmo alucinante. Se tivermos um padrão próximo da média europeia, as deslocações com menos de 8 km constituem cerca de 70% do total das viagens realizadas [2]. Sabemos também que o sector dos transportes constitui a maior fonte de Gases de Efeito de Estufa em Portugal, com mais de 80% das emissões do setor imputáveis à componente rodoviária [3].
Perante estes dados, a racionalidade aconselha a adoção de sistemas não poluentes para viagens de curta distância, melhorando os níveis de conforto e segurança destes e penalizando o transporte individual poluente principalmente nos centros urbanos. Não se trata, na maioria dos casos, de interditar o automóvel, mas de diminuir a sua presença onde não é pertinente e reordenar o espaço por forma a potenciar um equilíbrio entre as diferentes formas de deslocação. Não é tarefa fácil e exigirá a concertação de um vasto conjunto de entidades e objetivos claros, para que lentamente se atinjam as metas pretendidas. De entre as alternativas ao automóvel, a bicicleta tem o seu lugar e deverá ser uma das apostas ao serviço da acessibilidade de proximidade.
Como refere o documento da Comissão Europeia «Cidades para bicicletas, Cidades de Futuro» [4], a lista dos benefícios da utilização da bicicleta nunca poderá ser estabelecida de modo exaustivo, pois estes são de natureza económica, política, social, ecológica, ganhos em saúde, etc. Em relação às cidades, os benefícios da bicicleta estão essencialmente ligados à qualidade de vida, qualidade do ambiente e economias geradas a longo prazo.
A bicicleta por si só, para além de ser considerada o veículo mais ecológico que existe, não obriga, por enquanto, à detenção de registo de propriedade, seguro ou licença de condução, tornando-se num veículo muito acessível. Embora seja hoje vista sobretudo como uma forma de lazer, é fundamental que a população descubra as vantagens do seu uso nos meios urbanos. A facilidade com que pode fluir no trânsito faz dela uma boa alternativa em termos de rapidez de mobilidade.
Os maiores inconvenientes surgem quando aparece uma subida mais difícil que leva à exaustão. Transpiramos, sentimo-nos desconfortáveis o que desmotiva a sua utilização diária. É aqui que a bicicleta elétrica tem o seu papel.
O que é já feito noutros países
Bélgica: Várias empresas belgas pagam um valor por quilómetro aos seus funcionários para estes utilizarem a bicicleta no percurso diário casa-trabalho-casa. Este sistema é de adesão facultativa pelas empresas, que recebem incentivos do Estado para esse financiamento.
França: O governo francês estimula o uso da bicicleta como principal meio de transporte da população. A primeira medida é a de as empresas pagarem a bicicleta aos empregados. Essas recebem também incentivos, como reduções de impostos, ao aderirem ao uso da bicicleta como meio de transporte dos seus funcionários.
Alemanha: Em face do aumento da procura de ciclovias e pelo facto de cada vez mais pessoas aderirem às bicicletas, neste país inova-se com uma “autoestrada” exclusiva para ciclistas. Uma ciclovia numa extensão de 60 km (5 m de largura) liga Dortmund a Duisburg, com um potencial de 2 milhões de habitantes/utilizadores que podem usufruir desta infraestrutura com traçado paralelo a autoestrada existente para automóveis, mas isolada, sem declives íngremes, cruzamentos e curvas acentuadas, iluminada e com elevada segurança para mitigar os acidentes.
Holanda: é dada hoje maior prioridade às pessoas do que aos automóveis. As cidades são voltadas para o ser humano. Em Amesterdão, as principais ruas e praças no centro foram interditas ao automóvel. Em simultâneo optou-se pela implantação de uma infraestrutura a favor do uso ampliado da bicicleta.
Atualmente este é o país com maior concentração de bicicletas do mundo. Em todas as classes etárias, sociais e profissionais, as pessoas andam de bicicleta, sendo esta um “must” que reflete um modo de vida. Os ciclistas dispõem de estacionamentos adequados, possuem prioridade nos cruzamentos das ciclovias com as vias dos automóveis, têm pontes e viadutos para uso exclusivo com os pedestres. Além disso, foram impostas medidas para reduzir a velocidade de circulação dos automóveis e desincentivar o seu uso.
Dinamarca: possui uma qualidade de vida muito boa para quem não possui automóvel, pois dá também prioridade aos pedestres e às bicicletas. O número de pessoas que usam a bicicleta cresce todos anos. É um país com invernos extremamente frios e longos, mesmo assim uma em cada três pessoas usa a bicicleta para as suas atividades quotidianas. Em Copenhaga existe um sistema cicloviário que permite a deslocação porta a porta em toda a cidade. É um país onde o nível da saúde das pessoas é considerado muito bom, sendo que muitas escolhem a bicicleta como meio de transporte porque vivem melhor assim.
Suécia: apesar de ser um país frio, uma terça parte das deslocações realizadas na cidade de Västerãs são feitas de bicicleta.
Suíça: não é um país plano, mas a bicicleta é utilizada em 23% das deslocações na cidade de Basileia.
Colômbia: Bogotá adaptou vários espaços para as pessoas incluindo a construção de infraestruturas para ciclistas. O uso da bicicleta cresce diariamente, pois as ciclovias protegem os ciclistas. Foram criadas restrições à circulação de veículos automóveis.
A adaptação de cidades para peões e ciclistas não é um luxo, mas sim um compromisso de uma sociedade democrática e uma demonstração do respeito pela dignidade humana. Cada avenida deveria ter uma infraestrutura paralela para assegurar uma mobilidade segura, integrando a bicicleta adequadamente no planeamento urbano como um meio de transporte, pois esta é prática, mais económica, silenciosa, usa pouco espaço e não polui, garantido um transporte rápido e cómodo. Uma cidade onde ciclistas são respeitados e protegidos, é uma cidade onde as pessoas vivem mais felizes, pois a mobilidade por bicicleta constitui uma expressão de liberdade.
O surgimento das bicicletas elétricas assistidas
Constitui uma realidade, do ponto de vista energético, que o uso de veículos de duas rodas (sem propulsão motora) constitui o modo mais eficiente de transporte de pessoas, exibindo um consumo de energia inferior ao despendido pela deslocação a pé em percursos com baixo declive e com ganhos significativos no tempo de deslocação. No nosso país, apesar das boas condições para o uso da bicicleta em muitas cidades, há ainda uma diminuta tradição no uso desta alternativa. Pensamos que tal se deva a uma questão cultural, mas também à inexistência de infraestruturas de circulação de velocípedes que proporcionem segurança e ainda ao facto de nos meses de maior potencial de utilização haver bastante calor e exigir um esforço que os cidadãos não têm querido suportar.
O uso de sistemas de mobilidade que envolvam menor esforço físico têm ajudado a popularizar as bicicletas elétricas em todo o mundo. São bicicletas comuns com a diferença de possuírem um motor elétrico, sendo ideais para trajetos curtos, nomeadamente para ir e voltar da escola ou do trabalho, ajudando o ciclista a manter nas subidas um bom ritmo sem muito esforço. A preocupação com o aquecimento global, o alto preço dos combustíveis e os benefícios de tempo e saúde proporcionados pelas bicicletas estão a ajudar a impulsionar as vendas.
1.1 Tema da dissertação
Esta dissertação surge da identificação da necessidade de adotar uma nova cultura de mobilidade urbana, sendo que a bicicleta elétrica irá ter aqui um papel fundamental, pois possui caraterísticas ímpares, que lhe conferem maior interesse que as bicicletas convencionais.
Uma bicicleta elétrica tem o mesmo conceito de uma bicicleta vulgar, à qual foi adicionado um motor elétrico. Para poder estar enquadrada pela mesma legislação da bicicleta sem motor, deve cumprir determinados requisitos: Ao abrigo da legislação comunitária, o motor deverá ter uma potência máxima de 250 W e deverá ser desligado quando atinge a velocidade de 25 km/h ou quando o ciclista deixar de pedalar. Este é o conceito Pedelec. Não deverá ainda ter uma massa superior a 40 kg.
O conceito e-bike define uma bicicleta elétrica em que não é necessário pedalar para que o motor se ligue, basta acelerar, sendo a sua utilização recomendada fora das vias públicas (off-road). Uma vez que não estão definidas limitações neste conceito, será este a seguir nesta dissertação.
1.2 - Objetivos a desenvolver
No período atual, caraterizado por grandes mudanças e incertezas, são muitos os que anteveem uma grande penetração de veículos elétricos de duas rodas. Esta suposição tem por base o estado de saturação dos espaços urbanos em alguns países, o custo crescente do estacionamento nesses espaços, a necessidade de reduzir as emissões e o ruído, a necessidade de utilizar fontes de energia endógena, o aumento contínuo no custo do petróleo e a diminuição geral do poder de compra dos cidadãos, com maior relevância na população jovem.
Pretende-se com este trabalho:
- Projetar uma bicicleta elétrica (e-bike) de elevada eficiência e performance
- Disseminar conhecimento rigoroso referente a esta forma de deslocação;
- Ajudar a sensibilizar os intervenientes acerca dos grandes benefícios do uso da bicicleta elétrica;
- Promover a mobilidade sustentável.
O uso da bicicleta, e mais especificamente da bicicleta elétrica, como forma de mobilidade suave, para além dos benefícios que traz para a saúde, proporciona uma melhoria da qualidade de vida nas cidades com a diminuição das emissões e do ruído. Apresenta ainda vantagens assinaláveis na humanização do espaço público, no descongestionamento do trânsito, no menor uso de espaços de estacionamento e na diminuição da fatura energética.
Organismos da União Europeia com competência normativa em políticas de transporte, tem vindo a assumir o fomento do uso da bicicleta tanto por razões urbanísticas como de promoção de saúde. Em diversas cidades pelo mundo têm vindo a ser adotadas, com grande sucesso, medidas para incentivar as deslocações pedonais e cicláveis, contribuindo para uma maior sustentabilidade do sistema de transportes.
1.3 - Estrutura da dissertação
Esta dissertação está subdividida em 8 capítulos e 6 anexos. Neste primeiro capítulo é feita uma introdução com a qual se pretende clarificar o tema da dissertação e os objetivos a atingir.
O capítulo 2 inicia com uma breve história dos sistemas de transporte, com ênfase nos de duas rodas. Abordam-se de seguida as vantagens da utilização da bicicleta como meio de transporte, fazendo esta parte da mobilidade sustentável. Segue-se um pequeno estudo da eficiência energética associada a diferentes meios de locomoção, abordando de seguida a mobilidade elétrica e a bicicleta elétrica como forma emergente de transporte.
No capítulo 3 é feito um estudo cinemático detalhado do veículo de duas rodas, demonstrando os passos e fórmulas a utilizar para encontrar e dimensionar os parâmetros necessários bem como as diferentes formas de alcançar maior eficiência energética.
No capítulo 4 expõe-se o projeto da bicicleta de acordo com a performance que se pretende alcançar, é feito o estudo e expostos os fundamentos teóricos que justificaram a seleção dos componentes para integração no projeto.
No capítulo 5 é exposto o estudo de projeto do corpo do veículo e desenhado o quadro adaptado da bicicleta.
No capítulo 6 são apresentadas simulações da componente cinemática e da elétrica. É feito o estudo do consumo e autonomia, dos custos associados e emissões ambientais. Por fim são contabilizados os benefícios económicos e ambientais com a utilização da bicicleta elétrica.
No capítulo 7 é feito todo o “branding” da bicicleta, nomeadamente a criação da marca, do slogan, do logotipo e do site onde estão publicados os dados gerais do projeto.
No capítulo 8 estão as conclusões e considerações relativamente a trabalhos futuros.
Nos anexos encontram-se as caraterísticas técnicas de alguns componentes, bem como todas as tabelas com as diversas simulações e cálculos feitos em Excel.
[1] |
“Climate Action,” Comissão Europeia, [Online]. Available: https://ec.europa.eu/clima/sites/campaign/index_pt.htm. [Acedido em 10 março 2012]. |
[2] |
T. Solheim e I. Stangeby , Short trips in European countries: report from WALCYNG-WP1, Oslo, Noruega: Institute of Transport Economics, 1997. |
[3] |
“Emissões de poluentes atmosféricos por concelho 2009,” Agência Portuguesa do Ambiente, Amadora, novembro de 2011. |